Capitania de Minas gerais, Vila Rica de Nossa Senhora do Pilar de Ouro
Preto, 1720
Escuto o estopim na alta madrugada, a janela
estilhaça, na rua direita. vou ao chão com o tiro que acertou em cheio o ombro
esquerdo, arde, queima, derrubo o tinteiro, pego a folha escrita às pressas,
corro, dou uma trombada com a mucama, Ana, no corredor:
—Senhorzinho José!!!
—Estou bem Ana, já sabe o que vai fazer.
coloca a senhora negra, de ancas largas, o papel
“embrulhadin” dentro das tranças nagô.
— Diga a meu pai, o senhor Pascal da Silva
Guimarães, que recebi o presente por ele. vós sabe onde vou Ana, lá vou ficar
bem. Não temos mais tempo corra! os soldados da coroa, estão a porta.
O Jovem moço, Português, pega o cocho, já
disposto nos fundos da casa, em uma penumbra, lá vai ele sangrando.
Divisa territorial, Capitania da baía de
todos santos
Pai malê, recebe o moço, desfalecido nos braços,
ardia em febre, começa a pajelança no terreiro de catimbó, depois de sete dias
josé acorda:
— Por Oduduwa, filho meu, como
está?
—
Pai malê! Que alívio chegar até aqui. Vim fazer minha feitura.
O negro dá uma gostosa gargalhada.
—
Um sinhozinho branco, deitando pro santo?
—
Sim meu pai, um branco com alma preta.
—
E a revolta?
—
Que me importa, meu velho; não me importo com o quinto da coroa, não me importo
com a revolta em Vila Rica, nem tão pouco me importo com o ouro de meu pai.
—
E a liberdade meu filho? Não se faz lutando?
— Não, não acredito mais nisso, quero paz e
minha paz é estar aqui, a liberdade é algo que ninguém pode tirar, ela vive
aqui dentro, os rebeldes são escravos de sí.
—
Aprendeu mesmo, está usando minhas palavras.
—
Agora pra ser completo, só me falta ela, Helena, ela virá...
A negra
Ana, se fundi a escuridão, entra pelos fundos do palacete:
—
Abra a porta, Benta!
Esmurra a velha na porta da casinha dos criados:
—
Irmã!
—
A casa, do senhor Pascal, tá queimando em chamas, eu nem sei dele, “nhozinho”
José, levou um tiro, ele fugiu pra Baía:
—
Mãe Oxum cuide dele, durma irmã, descanse:
—
Não! Tenho uma carta pra sinhazinha Helena.
—
Amanhã! deixe pra amanhã, Ana; vou ver se consigo que você fique por aqui e
trabalhe na cozinha comigo.
A luz, dos olhos de Helena, voltou quando está
viu a negra Ana, na cozinha, já sabia que seu josé tinha notícias, depois da
noite em chamas:
—
Mas o que quer josé? Ele bem sabe que casarei em breve.
Correu a bela moça Portuguesa da ilha da Madeira,
pelo corredor até o luxuoso quarto, com o papel embrulhado:
—
Ah! José se essa carta não for um plano de fuga, não sei mais, não aceito
poemas.
Chora Helena, ao ler, sim era um plano:
— Minha virgem maria, me dê
forças.
Capitania Real do Rio de
Janeiro, Largo Rossio (Atual praça da Independência) - 1747
—Tem algo pra me contar
cigana?
—
Sim, tenho algumas coisas, mas pelo andar da carruagem, o senhor que tem algo
para me contar, continue sua estória.
— Helena, não foi ao meu encontro, jovem que eu
era, cheio da força de Oxóssi, desobedecendo a pai Malê, eu voltei para Vila Rica.
Pelas ruelas, espreitando eu assistia a condenação de Filipe dos Santos, vi seu
corpo ser arrastado pelas ruas, a noite eles os esquartejaram a cidade estava
sendo incendiada e eles os corruptos, comemoravam.
O homem josé, com 45anos,
contava todo seu pesar com os olhos parados, enojado pelo governo regente, continuava:
—
Fiquei escondido até a noite, a olhar para o palacete da rua direita, assistia
a festa de casamento de Helena, não havia nada a fazer, o que poderia eu
oferecer a ela? Decidir não mais incomodar sua vida e deixa-la seguir sua sina.
Quando meus olhos encontraram com os olhos dela, parada angustiada, na janela; senti
um forte puxão no braço, me jogaram na carroça, me preparava para ser preso
pela coroa, quando percebi que era Francisco amigo de meu pai, Pascal:
— Seu
“muleque” seu pai te procura a dias.
O comerciante, deu sinal
e a carroaça seguiu, rumo a fora, alguns meses desembarco em Portugal, sigo do
Porto para Braga, vida que segue, cigana:
— Mas
hoje, estás aqui e é o que importa, vejo que seu pai, falecerá a pouco, também
sei, que seu orixá o espera, agradeço por contar sua sina:
— E
ela?
A pergunta sai do fundo da alma:
—
Vejo Helena; diz a cigana a olhar as linhas da palma da mão, está debruçada
como uma princesa, em uma janela, ela...
A
cigana estende a mão, pedindo sua recompensa:
— Ela
te espera, diz a voz da atraente ciganinha, que corre feliz pela praça.
José
respira:
—
Luiz?
— Sim senhor?
— Sigamos viagem para Minas:
— Não vai descansar por aqui mesmo
senhor? Foi uma longa viagem.
— Por favor, Luiz, se já deu água
aos cavalos, vamos!
Quando a carruagem para em frente o
palacete da rua direita, a velha negra Ana, não acredita:
—
“nhozinho” josé?
— Ana, como é bom revê-la
O vulto da mulher, vestida de luto, abre a
porta, eufórica:
— José? Não pode ser? Ana, será um
fantasma?
— Não sinhá, é nosso José.
O silêncio se fez, nessas
entrelinhas, indescritíveis:
—
Podemos seguir o plano? Diz a voz do homem josé, mas parecendo o jovem de
outrora.
Helena abre um sorriso e recompõe
a pose em segundos:
— Meu
senhor, tantas convenções a serem resolvidas; me aguardem no lugar esperado
pelo plano de quase trinta anos atrás, dessa vez a virgem pode descer e me
proibir de ir, mas eu irei.
Os curiosos, da rua, já
fofocavam, duas beatas passaram cochichando:
— Já
recebendo visitas, que mulher esquisita, ela não vai a igreja.
Divisa territorial, Capitania da baía
de todos santos
— Pai
malê, ela não virá!
—
Acalma-se filho, o que foi combinado? Ela não disse que viria? Pois espere;
mais um pouco pra quem já esperou alguns anos.
— Não
sei não, ela tem tudo na vida.
—
“cê” tem certeza disso, filho? E “cê” tinha tudo?
A
carruagem chega, na porteira do ilê.
A gorda velha negra Ana, desce,
acompanhada pela madura mulher, Helena:
— Meu
josé, meu amor, vamos viver nossa liberdade:
—
Entre minha, filha, meu “cazuá” é seu. Diz o ancião
A negra Ana, cantava e festejava:
—
Liberdade, liberdade ainda que tardia.
José entedia e agradecia, sim, me sinto livre,
pensava dado de mão como dois adolescentes com sua amada, apesar dos horrores e
injustiças que existem, somos livre para escolhermos nos despir do ouro que
jorra nas veias dessa terra amaldiçoada por nos mesmo e nos deitar nessa mesma
terra, abençoando-a, olhado para o sagrado, respeitando-a e viver a liberdade
da vida simples.
Capitania Real do Rio de Janeiro, Largo
Rossio (Atual praça da Independência) - 1747
—
Sarita minha filha, o que pensas?
—
Mama, penso na estória que vou contar essa noite na fogueira.
— Você
já a tem?
—
Sim! É a estória de José e Helena, um amor que busca pela Liberdade. Liberdade
Mama! que eles se fortaleçam sob o céu estrelado, será que eles entendem a
liberdade como nosso povo?
—
Espero que sim, como disse filha, o amor vai fortalecera-los e com o tempo eles
vão aceitando serem livres, sem culpa, sem convenções. Apenas o amor, liberta.
maravilhoso amei.
ResponderExcluir