Escrever pelo simples ato de escrever , nada mais comum para começar um conto.
Nem sei ao certo se assim será, poderia escrever sobre o povo das estrelas e suas carroças que carregam o ouro.
Poderia escrever sobre a menina que andava de bicicleta e daquela outra que ia a pé na estrada de terra para escola, poderia de certo escrever sobre o vento e a ira dos deuses, das maçãs de Avalon, da represa da cidade, do mar não visto.
Ou então sobre as muralhas da china, dos pesadelos com lobisomem, do giro do facão no ar, na flor de lótus que me transformei, do quarto rosa e do diario, da cidade inteirinha que cabia na oficina do pai.
Do beijo, da paixão, da vida planejada no plainer de 2017.
Ah, mas sabem! Nada quero contar nesse conto extasiante, tudo cabe em mim , existe uma Disney inteirinha na minha caixola e nas minhas recordações.
Do conto da ilha esmeralda aos batuques da umbanda ancestral nos círculos de pedra, ou as horas sem fim lendo a menina da ponte.
Dos lápis de cor a saia de prega e os jeans despojados de dois mil.
Dos navios e devoções, da dor e das frustrações, dos risos e dos circos, das estórias de fantoches ao trabalho árduo, que conto cabe em uma vida?
Do rock ao samba, dos vestidos floridos ao xales.
Então talvez aqui agora eu devesse revelar, a falta de foco para saber por onde começar me faça assim, isso e também aquilo, mais nada, sem começo e sem fim.
Da escrita rítmica a deslexia da palavra, de quantos cadernos de caligrafia lembro?
Do caminho até a venda da esquina, do leite comprado, da prata encontrada, dos shorts perdido.
Você está crescendo! Na novidade no lixo do banheiro.
Do anel roubado dos óculos quebrado, do casamento desfeito como o filtro dos sonhos.
Das dores imensuráveis dos monstros noturnos , do farfalhar do jambeiro.
Das brincadeiras embaixo da pitangueira, do beijo desejado naquele banco da praça, do fardo de açúcar escuro que meu avô podia comprar, da cardeneta, da lata de óleo, do cachimbo da dona parecidinha.
Ah! Agora nesse louco carrossel de mente eloquente e tecnológica, começo a me conectar e cada vez mais relaxar e a letra também, vai se espalhando,não sei se tal conto vai para a páginas da internet, não sei se a fotografia da minha mãe se mexia ou se eu mexia com ela quando ria de suas meias brilhantes dos anos setenta.
Sonhava eu em virar mocinha e poder dormir de bobs no cabelo.
Relaxo e me vem a mente o quintal.
Ah! Quintal ancestral meu avô Antônio vem ali, já tratou das galinhas já rezou sua ladainha o que mais pode ele fazer naquela tarde vazia? Receber as netas e esperar a algazarra noturna:
- Tá na hora, podem desligar a tv, vão dormir a noite vai ser fria, cobrem a cabeça porque vai giar.
Então as meninas só queriam estar e voltar para a época que seus pais eram crianças e dormir no quarto que era deles e espiar pela janelinha os fantasmas, as almas penadas que iam rezar na igrejinha, a mesma que badalou o sino e as menininhas tão, tão cansadas já foram para o reino dos sonhos embaladas pelo cheiro da dama da noite. A avó vem benzer os corpinhos e vai dormir.
Silêncio; paz; eu poderia contar sobre o pano de chita sob a mesa, do chão vermelho e da famosa cortina de bambum que tintilava seu som como a chamar fadas, para mim ela era um portal que separava a realidade e casa dos avós, qualquer um que ali adentrava sabia disso, ia entrando atraídos pelo aroma do café, e quando passava por ela já não era o mundo todo lá fora era apenas a casa dos avós
Eu poderia contar sobre isso, agora que minha mente se acalmou, estou lá e me lembro do balançar das pernas sentada na cadeira da cozinha, do biscoitinho e do andar vagaroso, da talha de água fresquinha, do sol na janela que dava para o quintal.
Ele, mágico quintal onde os seres naturais me contavam segredos do reino deles e me pediam para fazer travessuras, abrir a porta do galinheiro ou panhar o limão não maduro, só pra ouvir a avó dizer:
- É coisa do saci.
Dávamos gargalhadas atrás da árvore, ela não nos via, ou fingia não ver?
Já não sei a letra está aberta e feia e já vai pra duas folhas essa recordações ,volto ao tempo, bem! Estou aqui e só me resta saudades, do tempo que não me importava com o tempo e os dias passavam rápidos como o giro da bailarina da caixinha de música, hora do jantar.
E mais nada , meu conto poderia ser, talvez seja mas creio que deva ser apenas lembranças.
Vou fazer mais isso, voltar a mim ao meu ser mágico, relaxada deitada no meu quintal mágico.