quarta-feira, 25 de março de 2020

NOMADISMO E DIÁSPORA CIGANA

Nomadismo e Diáspora

pensando na diáspora dos ciganos, vem em mente ao meu entendimento que eles seriam sumérios, ou povos remanescentes do Egito (de grande grau de conhecimento magístico) que deixaram suas raízes para seguir sua primeira diáspora junto a moisés e as novas leis de um deus e no decorrer do tempo também afastando dessa concepção se perderam ou se encontraram em sua própria construção de cultura e sociedade,porem estudos de DNA e fonéticos linguísticos deu fim as especulações confirmando a procedência desse povo que é indiana.
Diante de vários romantismos e fantasias deixo aqui um estudo muito serio,encontrado na internet e de grande valor histórico- antropológico e filosófico.



Revista ANTHROPOLÓGICA- Ano 2015




Sugestões para se estudar os ciganos : Jéssica Cunha de Medeirosa, Mércia Rejane Rangel Batistab

Neste artigo buscou-se analisar a forma pela qual os ciganos vivem, concebem e expressam as experiências de frequentes deslocamentos ao longo dos séculos.
Para evitar cair no dualismo sedentarização/ nomadismo, propomos uma aproximação entre a experiência judaica da diáspora e o nomadismo cigano, de forma a perceber o que aproxima e o que diferencia nestes casos.

Pensando a experiência nômade cigana em contraponto à diáspora judia.
Historicamente aqueles que foram chamados de ciganos ou gipsyes foram colocados em situações nas quais o exercício de deslocamento é parte constitutiva da prática cotidiana e familiar, atribuindo-se assim ao nomadismo uma característica intrínseca a condição cigana.


No entanto, muitos dos fluxos migratórios dos ciganos, se deveram, em muitos casos, à perseguição étnica, a insegurança aos conflitos gerados pela presença destes em locais que redundara numa não aceitação por parte da população abrangente, de forma que o assim chamado nomadismo se instaurou numa prática que não resultava necessariamente na paixão pela viagem e sim, como uma resposta quase obrigatória. Ao mesmo tempo, nesta complexa relação que se estabeleceu entre ciganos e não ciganos, a associação entre ciganos e viagem, ciganos e estrada, ciganos e deslocamentos, tornou-se

uma reivindicação e uma aceitação dos próprios ciganos como forma de se caracterizar face aos outros.

Assim o nomadismo, a nosso ver passa a ser uma questão essencial (já que em sua maioria, os mesmos se afirmam enquanto “um povo nômade”) para compreender a dinâmica espacial (e identitária) dos ciganos hoje.
Os grupos ciganos adaptados a novas circunstâncias, nas quais este ‘passado’ permanece sendo um elemento extremamente significativo, na medida em que serve como parâmetro de diferenciação entre ciganos e não ciganos.
Aqui podemos nos perguntar como os ciganos se reconhecem sem estar dentro desse modelo político clássico ?
Com isso acabamos nos debruçando sobre a condição vivida pelo povo judeu, o que nos ajudou a pensar a experiência do povo cigano – melhor dizendo – a maneira pela qual a experiência se elaborou para os próprios ciganos e para aqueles que os tem enquanto um tema.
Iremos assim dialogar com o conceito de diáspora para pensar esses processos de deslocamentos, muitas vezes emigratórios.
Construindo identidades em deslocamento.
Na atualidade, majoritariamente toda emigração tende a se auto representar como uma diáspora.
Segundo Sorj, “as diásporas se transformam em fatores de importância crescente na política nacional”, já que: “(...) novas identidades diaspóricas está relacionada à transferência de uma massa de populações no mundo contemporâneo, aos novos sistemas de comunicação e transporte, à crise do estado-nação como principal foco de normatização ideológica e ao deslocamento da criação de identidades dos marcos políticos e ideológicos tradicionais”.
Os grupos ciganos podem e se encontram neste contexto no que diz respeito aos seus frequentes deslocamentos ao longo dos séculos, pois é exatamente nas situações das mudanças que atravessam os estados nacionais que vamos nos deparar com processos que abrangem populações ditas tradicionais envolvidas em demandas por reconhecimento, dentro outros, de diversidade étnica.
O que temos entendido é que as diásporas tem sua ocorrência como estrutura de organização que comportam tanto a solidariedade em condições adversas, como também a mobilidade social, além da integração no sistema do poder, o que pode também implicar na participação nacional e internacional no sistema político.
A ideia da diáspora pode de certa forma, ser pensada em relação às populações ciganas, seja se tratando de representação e construção de identidades coletivas, aproximando-se aqui da questão do nomadismo.

Diáspora e nomadismo seriam não só condições efetivamente experimentadas, como também imagens e retóricas que definiriam as possibilidades e ação e organização.
Estamos aqui diante de contextos sociais e políticos que muitas vezes se cruzam na diáspora e no nomadismo por percorrerem existências que se fundaram numa estrutura
de poder, em que tanto os judeus na diáspora como os ciganos no nomadismo, até os tempos modernos, sempre viveram estigmatizados e numa profunda insegurança, onde os estados nacionais faziam e fazem um esforço sistemático de separá-los do resto da população circundante, através da imposição de imagens e identidades que produzem efeitos de separação e estranhamento.
As nações não são apenas entidades políticas soberanas, como bem sugere Benedict Anderson (1991), mas ‘comunidades imaginadas’ pois depois de tantas ações emigratórias de entrada e saída de ciganos nos países, de determinados estados virarem sua residência, de construírem um circuito nesses estados, e a partir disso transitarem por estes, e nas trilhas desse processo ter movimentos constantes de expulsão e afastamento, demarcando entre o estado nacional e essas comunidades uma fronteira visível de posições de poder.


Como pensar uma nação neste ‘todo complexo’ de populações que entram, saem, se identificam e, no entanto, demarcam uma identidade distinta, em uma política nacional que exige quase sempre (e automaticamente) uma unidade e homogeneidade identitária? Onde começam e terminam suas fronteiras? Percebemos que essas comunidades transnacionais vêm se constituindo como uma rede e enquanto um local de memória, se estruturando enquanto um canal crucial entre dois lugares: estar na comunidade e estar inserido no estado nacional.
A nação comumente fez um movimento de expulsão e negação desses povos enquanto parte da mesma, sustentando a experiência de perseguições e afastamento dos mesmos, forçando-os a uma mobilidade frequente.

Assim, “as diásporas dessas minorias não constituindo uma política realmente autônoma tiveram que conviver e aceitar contextos políticos diferentes, dentro de um realismo pragmático” (Biale 1987). 

Emergem desse modo, diferentes fontes de identificação, forçando um elo de pertencimento que, ao invés de terem sido interrompidos por suas experiências diaspóricas, se fazem cada vez mais fortes, unidos por uma raiz familiar e profundamente ligada por uma memória de deslocamento, em que parece não precisar viajar muito longe para que esta não só seja experimentada, como também mantida

numa íntima união com a própria noção de si.
A identidade cultural dessas comunidades na diáspora, não pode ser pensada no sentido de estar primordialmente em contato com um núcleo imutável e atemporal, ligando-os passado, futuro e presente, numa linha ininterrupta e os vinculando a uma ideia de origem. Segundo Stuart Hall: “[...] a identidade é irrevogavelmente uma questão histórica.

Nossas sociedades são compostas não de um, mas de muitos povos. 
Todos que estão aqui pertenciam originalmente a outro lugar".

Os grupos ciganos são alvos recorrentes da representação de indivíduos estrangeiros, que vem de outra terra, trazendo consigo a sabedoria de uma ‘sorte futura’.
Dessa forma segundo Ferrari (2006), a partir de um ideário Ocidental algumas pátrias são referenciadas como locais de origem do povo cigano, sendo o Egito e a Índia, não por acaso as mais acionadas, pois são por excelência as terras a partir das quais construímos o ideal de terras estranhas e exóticas.

Em muitas literaturas do inicio do século XIV, os escritores fazem menção a grupos de acrobatas e malabaristas de origem egípcia que transitavam na atual região da Europa, daí o termo Egyptian, que parte de uma crença histórica que os ciganos teriam habitado a região do Pequeno Egito na costa Peloponesa.
Tempos depois, no final do século XIX, a partir de pesquisas linguísticas indicariam a Índia como ‘origem dos ciganos’, afirmando que os ciganos só poderiam ter alcançado a África pela Espanha, consequentemente,depois de cruzar toda a Europa.

Estes discursos construíram no imaginário ocidental associações quase que automáticas, do povo cigano com estes lugares, pontuando também uma frequente mobilidade nas descrições e que, repetitivamente, demonstram a diáspora dessas populações por vários lugares do continente Europeu.
Os ciganos, de modo distinto dos judeus, mesmo sendo associados a um lugar de origem (sujeito às divergências), e estando "espalhados pelo mundo", não se pensam nem se reivindicam como afastados de uma ‘terra natal’.

Os judeus, ao longo da história, são associados e se associam a ideia de uma ‘terra natal’, que é mantida na memória, e que indicaria um lar ancestral, que mesmo não mais presente, permanece como um laço indissolúvel, unindo todos os seus membros, dispersos neste movimento diaspórico. (Safran 1991).
No entanto, segundo Cohen (1997) que se contrapõe a essa perspectiva, seu conceito de diáspora faz uma critica aos discursos de origens fixas, enquanto leva em conta o desejo por um ‘lar’, o que não é a mesma coisa que o desejo da ‘terra natal’ pois, segundo ele, ‘lar’ seria equivalente ao significado de local de origem, de assentamento, ou um local nacional ou transnacional.
Para Avtar Brah que rompe também com essa conexão de diáspora e ‘terra natal’:

“Onde está o lar? De um lado, ‘lar’ é o local mítico de desejo na imaginação diaspórica. Nesse sentido, é o local do não-retorno, mesmo que seja possível visitar o território geográfico concebido como o lugar de ‘origem’.

Por outro lado, lar é também a experiência vivida de um local.
Seus sons e aromas, calor e poeira, noites aprazíveis de verão, ou a excitação da primeira caída de neve, noites geladas de inverno, céus cinzentos e sombrios em pleno meio dia… Tudo isso, mediado pelo cotidiano historicamente específico das relações sociais” (Brah 1996).

Os debates acerca do conceito de diáspora implicaram na delimitação das características que possam definir o que seja ou não uma diáspora, e que podem então corresponder a uma memória coletiva e a um mito sobre a terra natal, incluindo aí a sua localização, a história e as realizações, indicando uma idealização de uma terra ancestral putativa e de um compromisso coletivo de cultivá-la ou mesmo recriá-la.

O que gera o desenvolvimento de um movimento de retorno que recebe aprovação coletiva, sendo então uma fonte de consciência grupal étnica sustentada sobre o longo período de diáspora e baseada num sentido de diferença face uma história comum, além da crença de um destino comum.
Só que podem se apresentar enquanto fenômenos sociais heterogêneos.
Como indica Sorj, as explicações sociais sobre a experiência judia se referem não a uma última definição sobre diáspora, mas é preciso principalmente analisar os processos sociais e históricos, da variedade de modelos e de construção de instituições a ela associados, considerando as características específicas que estes grupos constroem em diferentes contextos sociais.
Apesar de se reconhecer que a experiência judaica é central na construção do conceito de diáspora, é importante considerar a diversidade de correntes no judaísmo moderno que procuram enfrentar o problema do sionismo, a experiência do Bunda que não prioriza o retorno à terra natal, mas de autonomia cultural em torno da língua iídiche na Europa Central e Oriental, e o judaísmo reformista, que renunciou na sua fase inicial as expectativas de retorno a Sion.

A experiência nômade dos ciganos no Brasil, considerando-se a discussão sobre a diáspora judia, pode nos ajudar a compreender como muitas vezes as experiências se assemelham em alguns contextos e como o nomadismo assumiu contornos e organização diferentes do que se entendia sobre o mesmo. Partindo das leituras e das pesquisas realizadas, podemos afirmar que os ciganos provavelmente apareceram pela primeira vez na Europa no século XV (Borges 2007), onde se apresentaram como peregrinos e leitores da sorte; são descritos enquanto viajantes exóticos, de pele escura, liderados por homens
que se intitulavam condes, príncipes e capitães.

O que nos interessa aqui pontuar é que os ciganos aparecem a partir de certo tipo físico e estão associados ao deslocamento: percorriam o território Europeu, sob a proteção de Salvo-Condutos Imperiais ou benefícios papais, que alcançaram seu auge no século XV, vinculados à prática natural do período, com o objetivo de proporcionar teto, alimento e agasalho aos peregrinos em sua jornada.
Essa prática era utilizada como instrumento de prestação de contas à Igreja, num mundo de lógica medieval, pautada na “aguda consciência do pecado” e na “certeza do castigo”.

Tal assistência não perdurou por muito tempo, pois já durante o século XVI, a Igreja Católica, assim como os protestantes e calvinistas, passaram a perseguir cruelmente os ciganos.
Para a sociedade envolvente uma das maneiras de lidar com estas pessoas implicava em classificá-las como marginal e por isso merecedoras de castigos, pois estamos em sistemas sociais homogêneos, sociedades estamentais.

Por esta razão, instauraram-se práticas que permitiram se livrar destas pessoas, porque não tinham lugar fixo, documentos, trabalho e nem reivindicavam uma história distintiva e oficial – e que por isto incomodavam tanto – foi o degredo para outros países a solução, a fim de livrarem-se de uma vez por todas deste ‘problema’.
Degredar os incômodos foi, pois, uma ordem de controle acionada para a construção da ordem da colonização. (Goldfarb 2004).
Assim como os judeus, os ciganos foram perseguidos pelos nazistas, e centenas de milhares deles foram assassinados durante a Segunda Guerra Mundial.
Depois, principalmente nos países comunistas, foram alvo de duras políticas de assimilação, como esterilizações e proibição de suas atividades culturais.
Tentativas de descaracterização cultural e contenção da população também foram aplicadas contra os ciganos em séculos anteriores na Europa.
Mais recentemente, a crise econômica e o avanço do discurso de extrema-direita têm reforçado a não aceitação de ciganos no continente...


Keywords: Gypsies; Nomadism; Diaspora.
Recebido em novembro de 2014.
Aprovado em agosto de 2015.

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